Circula no TikTok um vídeo em que se alega que beber um batido de banana, maracujá e mel “protege e restaura a visão“. Segundo o autor da publicação, a banana e o maracujá – por serem frutas ricas em vitamina A – “protegem a córnea” e “evitam a cegueira noturna“. Mas será que a ingestão de um batido é suficiente para proteger a visão e prevenir a cegueira noturna?

Batido caseiro protege a visão e previne a cegueira noturna?

Em esclarecimentos ao Viral, o oftalmologista Diogo Cabral, professor e investigador na Nova Medical School (NMS), adianta que não existe evidência científica que comprove a eficácia de um batido de banana, maracujá e mel na proteção da visão e na prevenção da cegueira noturna.

Na perspetiva do médico, “não é por uma pessoa beber batidos, ou por comer uma determinada fruta, que está a proteger mais a visão”. 

De facto, admite o especialista, a vitamina A é muito importante para a visão, aliás, esta vitamina é fundamental “para o ciclo visual”.

Contudo, há duas questões a ter em conta. Primeiro, “a vitamina A está presente em muitos mais alimentos” do que os mencionados no vídeo. 

Depois, apesar de a vitamina A ser “importante para o ciclo visual”, “não resolve problemas estruturais do olho”, alerta Diogo Cabral. Isto é, “se o olho tiver uma doença, não é por se consumir mais alimentos com vitamina A que o problema fica resolvido”. 

Por outro lado, o oftalmologista considera relevante apontar que “é muito difícil a dieta ter algum tipo de repercussão na saúde visual”, exceto se houver uma diminuição da vitamina A proveniente de uma associação entre medicação e uma dieta pobre.

Por exemplo, salienta o especialista, “as pessoas que fazem isotretinoína – um medicamento usado para o tratamento da acne – e têm uma dieta muito pobre em vitamina A” podem ter “repercussões no ciclo visual”, como a “cegueira noturna”.

O mesmo pode acontecer em casos de doenças, como “a anorexia”, em que há uma desnutrição. 

Assim sendo, segundo Diogo Cabral, o que protege a visão é uma dieta equilibrada e saudável. 

No geral, não há nada que impeça as pessoas de beberem um batido de banana, maracujá e mel, mas devem fazê-lo “por outro motivo, porque é bom” e não por acharem que vão resolver um problema oftalmológico.

Na visão do investigador, não se deve esperar que este batido vá resolver um problema que só pode ser tratado de outra forma. Aliás, “se uma pessoa tiver uma doença da retina, deve procurar ser vista por um oftalmologista”, defende.

Recorrer a este tipo de mezinhas e não procurar um médico vai atrasar o diagnóstico e o tratamento e pode agravar a situação, provocando “repercussões graves na saúde visual da pessoa”, acrescenta.

O que é a cegueira noturna? 

Como explica Diogo Cabral, “nós não vemos com o olho, vemos com o cérebro”. De que forma se processa a visão no escuro? 

Há determinadas células da retina, os fotorrecetores chamados “bastonetes”, “que são particularmente importantes, porque conseguem funcionar em condições de baixa luminosidade e dar-nos uma noção de perceção de movimento e contraste” neste contexto.

Ou seja, estes fotorrecetores, “sensíveis à luz”, transformam “o sinal luminoso em sinal químico e enviam essa informação ao cérebro, para depois o cérebro permitir a perceção visual”.
Para este processo ocorrer, “as células estão muito dependentes da vitamina A”. 

Assim, a cegueira noturna verifica-se quando “a pessoa não consegue orientar-se, a nível visual, em ambientes de baixa luminosidade”, porque os bastonetes não estão a fazer o seu trabalho (ver aqui e aqui).

A cegueira noturna é causada apenas por défice de vitamina A?

Ao contrário do que se sugere no vídeo em análise, por norma, a cegueira noturna não é o problema em si, é um sintoma associado “a doenças das células da retina”, ou seja, indica que algo não está bem, explica o professor da NMS.

Segundo Diogo Cabral, na maioria das vezes, estão em causa “doenças de caráter hereditário, que se podem manifestar em diferentes idades”.


Por isso, as pessoas apresentam sintomas – como a cegueira noturna – devido a essas doenças, não só porque têm “défice de vitamina A”, mas também porque “têm células da retina doentes”.

Para ser mais claro, o médico recorre a uma analogia: “Se tiver um carro com o motor estragado, mesmo que encha o depósito até ao máximo, o carro não anda, ou tem dificuldade em mexer-se”.

Neste contexto verifica-se algo semelhante. Ingerir mais vitamina A não vai resolver a situação, porque é necessário tratar a raiz do problema.

Além disso, salienta o investigador, “regra geral, se a pessoa tem uma dieta muito pobre, que carece de vitamina A, vai ter, em primeiro lugar, outros problemas graves de saúde e não necessariamente problemas oftálmicos”.